"A nenhum doente será recusada a vitória da cruz, e não há ninguém que não encontre socorro na oração de Cristo; se ela aproveitou a muitos dos seus algozes, quanto mais não ajudará os que se voltam para Ele?" - (Comentário de São Leão Magno)
"Se não crerdes o que Eu sou", diz o Senhor no Evangelho de hoje, "morrereis no vosso pecado." Nesta breve e ao mesmo tempo terrível revelação, Jesus nos indica uma vez mais a sua identidade divina. Aquele Eu sou ('ἐγώ εἰμι'), com efeito, nos remete quase que espontaneamente ao episódio da sarça ardente, no qual Deus dá a conhecer o seu nome ao povo de Israel. "Quando eu for para junto dos israelitas", perguntara Moisés, "e lhes disser que o Deus de seus pais me enviou a eles, que lhes responderei se me perguntarem qual é o seu nome?" (Ex 3, 13). O Senhor disse então a Moisés: "Eu sou aquele que sou" — "᾿Εγώ εἰμι ὁ ὤν" (Ex 3, 14). Sendo Ele, pois, um com o Pai (cf. Jo 10, 30), Jesus pôde afirmar com verdadeira autoridade: "Se não crerdes o que Eu sou, morrereis no vosso pecado." Temos aqui uma boa ocasião para relembrarmos o que nos ensina a Igreja a respeito do mistério da Queda e de seu nexo necessário com a doutrina da Redenção por meio de Cristo Jesus.
Já o Apóstolo Paulo, escrevendo à igreja de Roma por volta do ano 57, afirmava: "Pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores" (Rm 5, 19). Implicados no pecado de seu pai comum, todos os homens são, por isso mesmo, afetados pela primeira prevaricação e, privados da graça e santidade originais, nascem com uma natureza decaída, isto é, corrompida pelas consequências da falta de nossos primeiros pais: "lesada em suas próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado" (CIC 405), a natureza humana comum a todos nós é, deste modo, transmitida à humanidade inteira com as mesmas doenças com que o Senhor justamente castigara Adão e Eva (cf. Gn 2, 16s; 3, 6-24). "Como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado a morte, assim a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram" (Rm 5, 12). Em Adão, portanto, todos nos tornamos, "por natureza, verdadeiros objetos da ira divina" (Ef 2, 3).
Deus, porém, não nos abandonou ao poder da morte e da corrupção. Em sua infinita misericórdia, quis o Senhor dar-nos bens muito melhores "do que aqueles que a inveja do Demônio nos havia subtraído" (Leão Magno, Serm. 73, 4). Por isso, a fim de fazer o bem triunfar sobre o mal e superabundar a graça onde avultou o pecado (cf. Rm 5, 20), enviou-nos "nestes últimos dias" (Hb 1, 1) o seu Filho bem-amado (cf. Mc 1, 11), Jesus Cristo, "cheio de graça e de verdade" (Jo 1, 14). Nele, encontramos o médico de nossa alma; por Ele, recebemos do Céu o remédio para as nossas culpas; com Ele, tornamo-nos co-herdeiros do Reino (cf. Rm 8, 17) e da glorificação que nos foi prometida. Daí, pois, a urgência com que a Igreja sempre se esforçou por levar a todas as gentes a fé no Salvador do gênero humano; daí, antes de mais, a necessidade de crermos nAquele que, esvaziando-se a si mesmo (cf. Fil 2, 7), fez-se "propiciação pelos nossos pecados" (1Jo 2, 2). Que Deus, "que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade" (1Tm 2, 4), faça de nós espíritos missionários, sempre atentos à salutífera advertência que o Senhor fez brotar dos lábios do discípulo amado: "Quem possui o Filho possui a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida" (1Jo 5, 12).
Fonte: Homilia Diária Pe. Paulo Ricardo
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