O Evangelho nos transporta hoje à cidade santa. Desta vez, é por ocasião da festa da Consagração (Hanouka) que assistimos a uma multidão de judeus acorrer a Jerusalém, a fim de comemorar a purificação do altar e a dedicação do Templo por Judas Macabeu, depois do seu triunfo sobre os gentios (cf. 1Mc 4, 41-60). Era, pois, inverno (cf. Jo 10, 22) e o ano judaico ia já pelo vigésimo quinto dia do que atualmente corresponde ao mês de dezembro. Logo após o famoso discurso do bom pastor e pouco antes da ressurreição de Lázaro (cf. Jo 10, 1-18; 11, 1-44), a Liturgia nos apresenta o Senhor cercado de todos os lados e instado com hostilidade pelo povo. "Até quando nos deixará na incerteza?" (Jo 10, 24), vinham-lhe perguntado há tempos, fosse por curiosidade, fosse por desdém, fosse enfim para o pôr à prova e o poderem acusar. O fato é que os judeus, teimosos e insistentes, pressionam Jesus a confessar, de uma vez por todas, se é ou não é o Messias de Israel.
Cristo, no entanto, responde-lhes com uma palavra ainda mais ousada e surpreendente. "Eu vo-lo digo, mas não credes. As obras que faço em nome de meu Pai, estas dão testemunho de mim. Entretanto, não credes, porque não sois das minhas ovelhas" (Jo 10, 25s). Feita esta repreensão, Jesus conclui com uma afirmação categórica — inconfundível e evidente a um filho de Jacó — de que Ele é não só o Messias, mas também, e sobretudo, o próprio Deus: "Eu e Pai somos um" (Jo 10, 30). Lembremo-nos, aliás, de que ainda devia ressoar nos ouvidos do povo aqueloutra revelação, não menos evidente quanto "escandalosa" (cf. 1Cor 1, 23): "Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão fosse, Eu sou" (Jo 8, 58), numa também cristalina referência à perícope da sarça ardente (cf. Ex 3, 13s). A essas declarações, as mais óbvias e "dramáticas" possíveis, os judeus pela segunda vez pegaram pedras para calar o Verbo eterno do Pai: "Não é por alguma obra boa que te queremos apedrejar", dizem, "mas por uma blasfêmia, porque, sendo homem, te fazes Deus" (Jo 10, 33).
Com efeito, não foi por outra razão que, momentos mais tarde, conduziriam o Senhor à presença de Caifás. Nem todo o falso processo montando ardilosamente para o entregar à morte tinha outra finalidade senão arrancar-lhe a resposta mortífera e derradeira. "Dize-nos se és o Cristo!", pergunta o Sinédrio. "Por Deus vivo, conjuro-te que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus!", intima-o o Sumo Sacerdote. E assim responde: "Sim, Eu sou" (cf. Mt 26, 64; Mc 15, 62; Lc 22, 70). Não o acusam de usar em vão santo nome de Yahweh; não o acusam de agitador das massas; não o acusam de prevaricador da Lei, nem de falso profeto. Acusam-no de igualar-se ao Pai. — Acaso pensas ser Deus, Jesus? Portanto, que "necessidade temos ainda de testemunhas? Acabastes de ouvir a blasfêmia! Qual o vosso parecer?" E todos deram a sentença, uníssonos e concordes na atrocidade deste deicídio: "Merece a morte!" (Mt 26, 65s).
Toda a vida de Nosso Senhor, desde a sua concepção virginal até à sua gloriosa Ascensão aos céus, testemunha-nos de modo inegável que a divindade de Jesus foi, é e sempre será uma pedra de tropeço para os que não se dispõem a crer que o Deus que habita em luz inacessível (cf. 1Tm 6, 16) revestiu-se de condição mortal e veio vistar os que estavam perdidos, veio dar vida aos que jaziam à beira do caminho. Aproveitemos, pois, este Evangelho para renovarmos o ponto cardeal da nossa sacrossanta fé católica. Não nos deixemos seduzir pela pseudo-erudição de críticas pretensiosamente "científicas"; não caiamos nesta modernice tola de reduzir Jesus a um simples "mestre", a um "revolucionário do seu tempo", a um "grande espírito" etc. Sejamos firmes ao professar, como desde sempre professaram as almas cristãs, que Cristo Jesus é um só com o Pai, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, gerado, não criado, nascido antes de todos os séculos: "Sim, Eu sou" — "Yahweh"!
Fonte: Homilia Diária Pe. Paulo Ricardo
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