"Conhecereis a verdade", diz hoje o Senhor, "e a verdade vos libertará." Mas o que significa, em termos precisos, esse "conhecereis a verdade"? Lembremo-nos, em primeiro lugar, de que Jesus, pouco antes da Paixão, se identifica com a própria verdade: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6), responde a Tomé. Enquanto homem, é caminho para o Pai; enquanto Deus, é verdade e vida para os homens. Verdade essa, porém, à qual o nosso espírito se deve abrir e abrir-se por meio da fé. Ora, a dificuldade que temos em nos descerrar à verdade, que é Cristo, reside antes e primariamente na nossa soberba. Devido às más inclinações e a um orgulho inchado, todos nós experimentamos uma certa tendência a, sobretudo no campo moral e religioso, persuadir-nos de que seja falso ou ao menos duvidoso aquilo que não desejamos reconhecer que seja verdadeiro (cf. Pio XII, Humani Generis, n. 2).
Isso porque a verdade tem a peculiar capacidade de humilhar-nos, de fazer caírem as escamas dos nossos olhos, de nos revelar quem de fato somos. Por isso, as nossas mais mais imediatas reações diante duma verdade sobre nós mesmos é a fuga, a negação, a mentira. É o que vemos tão bem ilustrado nos judeus deste Evangelho. Que lhes diz o Senhor, afinal? "A verdade vos libertará". E que respondem os ouvintes? "Somos descendentes de Abraão, e nunca fomos escravos de ninguém." Eis, escancarada, a primeira mentira. Ah! sois filhos de Abraão? Então como dizeis que não sois escravos? Não foi a descendência do vosso pai dominada pelos egípcios, pelos assírios, pelos babilônios e pelos gregos? Ora, não é o jugo romano que agora a oprime e sufoca? Como então dizeis: "Nunca fomos escravos"? Abri as crônicas do vosso povo e vereis o quanto se engana a vossa soberba, o quanto vos cega a sobranceria da vossa raça!
Cristo é, pois, essa verdade que humilha e fere, que mostra a serviço de quem pusemos o nosso coração. "Em verdade, em verdade vos digo, todo aquele que comete pecado é escravo do pecado". Caprichos e paixões, veleidades e fantasias, preconceitos e mentiras, — eis aí os senhores aos quais servimos, eis aí as obras que o pai e príncipe deste mundo nos incita a fazer. Aproveitemos estes últimos dias da Quaresma para, em ossa oração mental, pedirmos mais fé e mais humildade a Nosso Senhor. Em nossas comunhões, não deixemos também de implorar a Jesus Sacramentado que instale em nosso coração soberbo o seu reinado definitivo, no qual nem o orgulho nem o amor-próprio desordenado podem ter lugar. Que a Virgem Santíssima, Refúgio dos pecadores, nos alcance a graça de sermos configurados à mansidão e à humildade de seu Filho, cuja verdade, devolvendo-nos a visão e o realismo, nos faz livres para amar a Deus com desprendimento e leveza.
fonte: Homilia Diária Pe. Paulo Ricardo
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